Polarização e Estratégias Eleitorais no Brasil

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Polarização e Estratégias Eleitorais no Brasil

Estudos clássicos de Ciência Política advertem que a polarização pode ser danosa à estabilidade da democracia, especialmente entre democracias novas (HUNTINGTON, 1968; SARTORI, 1976; LINZ; STEPAN, 1978). Nestes casos, a descrença no sistema e desejo por alternativas fora do mainstream proporcionam a criação e sucesso de lideranças carismáticas e partidos anti-sistema, motivando a polarização política e a desarticulação do centro partidário que sustenta a estabilidade democrática.

Mas até que ponto um líder político tem impacto sobre este tipo de polarização no eleitorado? Em especial, a posição do presidente Bolsonaro é capaz de influenciar a polarização e causar divergência de opiniões entre grupos da sociedade? Buscamos responder essas perguntas em um projeto financiado pela Rede de Pesquisa e Conhecimento Aplicado da FGV.

Nossa hipótese é de que, sim, a participação do presidente Bolsonaro em um debate tem um efeito sobre as atitudes do eleitorado, entretanto, este efeito é condicional a como as pessoas enxergam o presidente. Isto é, a opinião das pessoas sobre uma questão política deve ser afetada pela posição do presidente, mas a direção do impacto – positivo ou negativo – depende do quanto as pessoas apoiam o presidente.

Esta questão e hipótese nortearam um experimento de survey populacional que a equipe de pesquisadores do CEPESP/FGV desenhou para ser realizado no começo de 2019. Em parceria com o LAPOP (Latin American Public Opinion Project), centro de pesquisa sobre opinião pública da Vanderbilt University (EUA), pesquisadores do CEPESP trabalharam na condução de um estudo, conduzido no campo pelo IBOPE, sobre a opinião dos brasileiros em relação a diferentes temas políticos.

A inovação é a criação de um laboratório de experimentos para entender o efeito dos instrumentos de campanha eleitoral e a oferta de políticas públicas localizadas no comportamento do eleitor. Para dar início ao laboratório será realizada um experimento específico ao longo do ano para estudar um tema relevante: a polarização do debate e, consequentemente, do voto. Com base em métodos quase-experimentais também será investigado o efeito das políticas públicas localizadas sobre os eleitores em áreas beneficiadas.

Como parte do questionário da pesquisa de opinião, respondentes foram perguntados até que ponto, em uma escala de 7 pontos onde 1 significava “Discorda muito” e 7 “Concorda muito”, estavam de acordo com a privatização da Petrobrás- uma questão debatida há anos no cenário nacional. Entretanto, metade dos respondentes selecionados de forma aleatória receberam uma informação adicional de que o presidente Bolsonaro declarou ser a favor desta proposta. 

O objetivo do estudo, portanto, era saber até que ponto as pessoas mudam de opinião em relação à privatização ao receber a informação da posição do presidente. Para isso, comparamos as respostas do grupo que não recebeu a informação (grupo controle) e as do grupo que recebeu a informação adicional (grupo tratamento), sendo que os grupos são semelhantes em todas variáveis observáveis dado a atribuição aleatória. 

Nossa expectativa era de que o efeito da informação adicional seria condicional a como as pessoas avaliam o presidente Bolsonaro. Isto é, saber a posição do presidente sobre a questão deveria aumentar a preferência pela privatização entre aqueles que o avaliam bem, mas diminuir a concordância pela privatização entre aqueles que o avaliam mal. Este resultado implicaria em um efeito polarizador do presidente. Caso não houvesse diferenças entre os grupos tratamento e controle, a implicação é de que a simples informação de como o presidente pensa não tem um efeito sobre a opinião das pessoas, pelo menos no caso da Petrobrás.

Um a cada três respondentes que avaliavam o presidente de forma negativa (Ruim/Péssimo) reportavam ser a favor da privatização, enquanto 45% daqueles que o avaliavam bem (Ótimo/Bom) se mostravam a favor. Quando comparamos com os grupos equivalentes que receberam a posição do presidente, as taxas de concordância são afetadas de acordo com a avaliação do presidente. Entre aqueles que avaliavam a administração de Bolsonaro como positiva, o percentual que reportaram concordância foi de 57%, um aumento de 12 pontos percentuais relativo ao grupo controle. Já entre aqueles que avaliavam mal, o percentual de concordância caiu 10 pontos percentuais, de 33 para 23%. Estas diferenças são estatisticamente significativas e robustas à diferentes especificações.

Dito isso, avaliações mais precisas sobre o estudo devem ser limitadas por dois principais motivos. Primeiro, o estudo foi conduzido entre o final de janeiro e começo de março, logo, pode estar parcialmente condicionado ao contexto da chamada “lua de mel” da opinião pública com o governo recém empossado. Assim, é possível que os resultados tenham sido mais superlativos neste contexto. É possível também que o efeito da informação seja até mais forte se considerarmos que a composição dos grupos de avaliação (i.e., Ótimo/Bom e Mau/Péssimo) podem mudar através do tempo, o que poderia levar a uma influência maior da posição do presidente. Entre aqueles que continuam avaliando o governo bem depois da lua de mel, a posição do presidente pode ter um impacto mais forte que entre os que avaliavam positivamente no início de seu governo.

A segunda limitação do estudo é a identificação do exato mecanismo causal. Apesar da alocação da informação adicional ter sido exógena às características dos respondentes, o efeito pode ter sido causado por duas razões. Por um lado, é possível que o movimento de respostas tenha ocorrido entre pessoas que realmente têm sentimentos fortes em relação ao presidente, e assim, mudam de opinião de acordo com a posição do líder. Por outro, é possível que aqueles que mudam de opinião são pessoas que tem baixo interesse e conhecimento por política (i.e., sofisticação política), e assim, não possuem preferências fortes em relação à privatização da Petrobrás e seriam mais “suscetíveis” a mudar de opinião. Este grupo não necessariamente alteraria sua posição em questões nas quais possuem preferências mais fortes. 

A literatura de comportamento político sugere que eleitores menos sofisticados possuem opiniões mais inconsistentes e tendem a ser mais facilmente persuadidos por mensagens eleitorais (CONVERSE, 1960; CASTRO, 1994). Já eleitores mais sofisticados possuem informação suficiente e consistência lógica em relação aos temas políticas em tal medida que são mais aderentes às suas crenças e tendem a ser menos persuadidos por novas informações (MOISÉS, 1995; SILVEIRA, 1996; ZALLER, 1992). Nesse sentido, entender como o grau de sofisticação (ou de conhecimento) interveem na capacidade do eleitor mudar de opinião é relevante para se compreender mais detidamente o mecanismo causal do experimento.

Os dois mecanismos (preferência forte pelo presidente ou sofisticação política) nos informam sobre o processo de polarização do eleitorado provocado por uma liderança, mas têm implicações distintas sobre o impacto polarizador do político carismático. Se a mudança tende a ser igual ou maior entre aqueles com alto nível de sofisticação política, podemos esperar um potencial polarizador de maior magnitude e constante através do tempo. Por outro lado, se a mudança acontecer apenas entre aqueles com sofisticação baixa, a implicação é que a polarização tenderia a ser limitada a um grupo específico e dependente da intensidade das preferências dos indivíduos.

A pergunta sobre o mecanismo será respondida com um teste estatístico adicional no qual vamos comparar o efeito do tratamento condicional à avaliação do presidente e grau de sofisticação política– também medida antes do experimento. Para mensurar o grau de sofisticação da opinião pública será usada uma bateria de perguntas objetivas sobre o conhecimento do partido a qual pertencem 12 das principais lideranças políticas nacionais. Além disso, também avaliaremos o conhecimento político dos respondentes ao pedir que listem, de forma espontânea, as siglas dos partidos políticos existentes. Com este novo teste, portanto, poderemos avaliar a hipótese de baixa sofisticação política, que sugere que o efeito deverá ser maior entre aqueles com pouco engajamento político. Como um todo, o estudo estará não apenas replicando o primeiro experimento de survey realizado na pesquisa do LAPOP, mas também avançando no debate acadêmico sobre polarização das massas ao testar diferenças através do tempo e isolar mecanismos.